Luís Vidigal
Os grandes líderes tecnológicos descobriram há muito que o poder não se esgota em criar produtos ou plataformas. Hoje, moldam imaginários globais, recorrendo a uma retórica quase religiosa onde o futuro surge como apocalipse ou redenção.
Peter Thiel fala do Anticristo como metáfora para a estagnação tecnológica, Elon Musk apresenta Marte como a nova Terra prometida, Sam Altman alerta para a inteligência artificial como simultaneamente salvação e flagelo. São narrativas messiânicas que, ao dramatizarem o futuro, reforçam a sua própria autoridade.
Mas enquanto estes magnatas se assumem como profetas digitais, as instituições democráticas parecem paralisadas. O caos hiperdigital, marcado por desinformação viral, plataformas privadas que dominam a comunicação e algoritmos que orientam perceções públicas, deixa os Estados, os parlamentos e até as universidades em posição reativa.
A cada novo anúncio apocalíptico de Silicon Valley, vemos governos correrem atrás da agenda tecnológica, fascinados pela promessa de soluções rápidas, sem capacidade de impor regras claras ou de proteger o interesse coletivo.
Repensar o papel das instituições tornou-se, por isso, uma necessidade urgente. Não basta aplaudir a inovação nem ceder ao medo do colapso anunciado pelos novos profetas. É preciso reforçar mecanismos de regulação das plataformas digitais, exigir transparência na utilização da inteligência artificial, criar espaços de escrutínio público que não dependam de conferências privadas ou de declarações teatrais. Só instituições fortes podem devolver equilíbrio ao debate, distinguindo entre visão estratégica e espetáculo messiânico.
A história mostra que sempre que o discurso religioso foi instrumentalizado para legitimar poder absoluto, as consequências foram a erosão do espaço público e a violência contra quem discordava. Hoje, o risco repete-se em versão digital. Se deixarmos que as vozes mais sonoras de Silicon Valley se tornem os únicos intérpretes do futuro, estaremos a abdicar da soberania democrática no momento em que mais precisamos dela.
O desafio não é travar a tecnologia nem negar o seu potencial transformador. O desafio é impedir que se confunda com profecia. A inteligência artificial, as viagens espaciais, os sistemas de vigilância massiva não podem ser tratados como revelações inevitáveis, mas como escolhas políticas, sujeitas a debate, limites e responsabilidades.
Reforçar o papel das instituições significa garantir que o futuro não é decidido por meia dúzia de bilionários em palco, mas por sociedades conscientes e capazes de resistir ao fascínio do apocalipse digital.
FONTES:
The Nerd Reich – Peter Thiel Antichrist Fiasco Sparks International Concern
https://www.thenerdreich.com/peter-thiel-antichrist-fiasco-sparks-international-concern/?ref=the-nerd-reich-newsletter
The Nerd Reich – Peter Thiel & The Antichrist: Silicon Valley Apocalypse Hype
https://www.thenerdreich.com/peter-thiel-the-antichrist-silicon-valley-apocalypse-hype/?ref=the-nerd-reich-newsletter
The Guardian – Elon Musk says colonising Mars is ‘insurance policy’ for humanity
https://www.theguardian.com/science/2013/aug/17/elon-musk-mars-spacex
The Guardian – Elon Musk says AI is more dangerous than nuclear weapons
https://www.theguardian.com/technology/2018/mar/12/elon-musk-sxsw-ai-robots-danger
The New Yorker – Sam Altman’s Doomsday Plans
https://www.newyorker.com/magazine/2016/01/25/doomsday-prep-for-the-super-rich
MIT Technology Review – Sam Altman’s Manifest Destiny for AI
https://www.technologyreview.com/2023/03/27/1069703/sam-altman-chatgpt-openai-interview/
Wall Street Journal – Peter Thiel’s Obsession With the Antichrist https://www.wsj.com/articles/peter-thiel-anticrist-theology-technology
